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STJ sinaliza aplicação da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor.

Em três decisões recentes, o STJ chancelou o entendimento do TJSP para condenar fornecedores a indenizar danos morais por desvio produtivo do consumidor. Anteriormente, a Ministra Nancy Andrighi já havia citado a Teoria.

Foi publicada no 25/04/2018 decisão monocrática do Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, relator do AREsp 1.260.458/SP na Terceira Turma do STJ, que conheceu do Agravo para rejeitar o Recurso Especial do Banco Santander. Como fundamento da sua decisão, o relator adotou o acórdão do TJSP que reconheceu, no caso concreto, a ocorrência de danos morais com base na “Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor”, conforme ementa que se segue:

RESPONSABILIDADE CIVIL. Danos morais. Contrato de mútuo com pacto adjeto de alienação fiduciária de bem imóvel. Lançamento indevido de encargos bancários, porque resultantes exclusivamente de falha operacional do banco. Situação que extrapolou o mero aborrecimento do cotidiano ou dissabor por insucesso negocial.Recalcitrância injustificada da casa bancária em cobrar encargos bancários resultantes de sua própria desídia, pois não procedeu ao débito das parcelas na conta corrente da autora, nas datas dos vencimentos, exigindo, posteriormente, de forma abusiva, os encargos resultantes do pagamento com atraso. Decurso de mais de três anos’ sem solução da pendência pela instituição financeira. Necessidade de ajuizamento de duas ações judiciais pela autora. Adoção, no caso, da teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, tendo em vista que a autora foi privada de tempo relevante para dedicar-se ao exercício de atividades que melhor lhe aprouvesse, submetendo-se, em função do episódio em cotejo, a intermináveis percalços para a solução de problemas oriundos de má prestação do serviço bancário. Danos morais indenizáveis configurados. Preservação da indenização arbitrada, com moderação, em cinco mil reais. Pedido inicial julgado parcialmente procedente. Sentença mantida. Recurso improvido.

Para o Ministro Bellizze, “O Tribunal estadual, ao dirimir a controvérsia, concluiu que ficaram caracterizados o ato ilícito e o consequente dever de indenizar, conforme se colhe dos excertos do aresto recorrido”:

Com efeito, tem-se como absolutamente injustificável a conduta da instituição financeira em insistir na cobrança de encargos fundamentadamente impugnados pela consumidora, notório, portanto, o dano moral por ela suportado, cuja demonstração evidencia-se pelo fato de ter sido submetida, por longo período [por mais de três anos, desde o início da cobrança e até a prolação da sentença], a verdadeiro calvário para obter o estorno alvitrado, cumprindo prestigiar no caso a teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, por meio da qual sustenta Marcos Dessaune que todo tempo desperdiçado pelo consumidor para a solução de problemas gerados por maus fornecedores constitui dano indenizável, ao perfilhar o entendimento de que a “missão subjacente dos fornecedores é – ou deveria ser – dar ao consumidor, por intermédio de produtos e serviços de qualidade, condições para que ele possa empregar seu tempo e suas competências nas atividades de sua preferência. Especialmente no Brasil é notório que incontáveis profissionais, empresas e o próprio Estado, em vez de atender ao cidadão consumidor em observância à sua missão, acabam fornecendo-lhe cotidianamente produtos e serviços defeituosos, ou exercendo práticas abusivas no mercado, contrariando a lei. Para evitar maiores prejuízos, o consumidor se vê então compelido a desperdiçar o seu valioso tempo e a desviar as suas custosas competências – de atividades como o trabalho, o estudo, o descanso, o lazer – para tentar resolver esses problemas de consumo, que o fornecedor tem o dever de não causar. Tais situações corriqueiras, curiosamente, ainda não haviam merecido a devida atenção do Direito brasileiro. Trata-se de fatos nocivos que não se enquadram nos conceitos tradicionais de ‘dano material’, de ‘perda de uma chance’ e de ‘dano moral’ indenizáveis. Tampouco podem eles (os fatos nocivos) ser juridicamente banalizados como ‘meros dissabores ou percalços’ na vida do consumidor, como vêm entendendo muitos juristas e tribunais.”

(…)

Com efeito, a abusiva cobrança de encargos bancários indevidos e a recalcitrância injustificada por tempo expressivo [três anos] do réu em proceder a cessação desta exação e o espontâneo ressarcimento à correntista, constitui injusta agressão, porquanto privou a autora de utilizar o seu tempo disponível na forma que melhor lhe aprouvesse, de molde a provocar sofrimento psíquico que molesta direitos inerentes à personalidade, vulnerando seu patrimônio moral, a justificar a reparação almejada.

O segundo precedente do STJ:

Em outra decisão monocrática recente, publicada em 27/03/2018, o Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, relator do AREsp 1.241.259/SP na Quarta Turma do STJ, também conheceu mas negou provimento ao Agravo em Recurso Especial da Renault do Brasil. O relator igualmente adotou, como fundamento da sua decisão, o acórdão do TJSP que reconheceu, na espécie, a existência de danos morais com base na “Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor”, conforme ementa abaixo:

APELAÇÃO – AÇÃO INDENIZATÓRIA – DANOS MORAIS – VÍCIO SUPERADO – FASE DE CONSEQUÊNCIAS INAPLICÁVEL – INDEVIDA RESTITUIÇÃO – DEVER DE INDENIZAR – DANOS MORAIS – PÉRIPLO NO REPARO – FRUSTRAÇÃO DA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO ZERO QUILÔMETRO – DANOS MATERIAIS NÃO REQUERIDOS – LOCATIVOS – ABUSO DA TUTELA DE URGÊNCIA – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – GRATUIDADE REVOGAÇÃO – PROCEDÊNCIA PARCIAL -SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.

(…)

- Frustração em desfavor do consumidor, aquisição de veículo com vício “sério”, cujo reparo não torna indene o périplo anterior ao saneamento – violação de elemento integrante da moral humana, constituindo dano indenizável – desvio produtivo do consumidor que não merece passar impune - inteligência dos artigos 186 e 927 do Código Civil. ‘Quantum’ arbitrado de acordo com a extensão do dano e dos paradigmas jurisprudenciais – artigo 944, do Código Civil - R$15.000,00. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

O primeiro precedente do STJ:

Em decisão monocrática publicada em 03/10/2017, o Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, relator do AREsp 1.132.385/SP na Terceira Turma do STJ, do mesmo modo conheceu mas negou provimento ao Agravo em Recurso Especial da Universo Online. Como fundamento da sua decisão, o relator também adotou o acórdão do TJSP que reconheceu, na hipótese, a ocorrência de danos morais com base na “Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor”, conforme a seguinte ementa:

RECURSO – APELAÇÃO CÍVEL – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS HOSPEDAGEM E MANUTENÇÃO DE SITE E EMAIL CORPORATIVO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.

Incidência do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto. Finalismo aprofundado. Vício do serviço configurado. Reparação de danos morais por danos à honra objetiva da autora devida. Reparação por desvio produtivo, caracterizado pela falta de pronta solução ao vício do serviço noticiado, também devida, como forma de recompor os danos causados pelo afastamento da consumidora da sua seara de competência para tratar do assunto que deveria ter sido solucionado de pronto pela fornecedora.

Procedência. Sentença mantida. Recurso de apelação requerida não provido.

A primeira menção à Teoria em decisão colegiada do STJ:

Em 12/09/2017, no julgamento colegiado do REsp 1.634.851/RJ interposto por Via Varejo, a Terceira Turma do STJ, sob a relatoria da Ministra NANCY ANDRIGHI, já havia mencionado o “Desvio Produtivo do Consumidor” para negar provimento ao Recurso Especial daquele fornecedor, conforme ementa do acórdão a seguir transcrita no que interessa:

(…) 5. À frustração do consumidor de adquirir o bem com vício, não é razoável que se acrescente o desgaste para tentar resolver o problema ao qual ele não deu causa, o que, por certo, pode ser evitado – ou, ao menos, atenuado – se o próprio comerciante participar ativamente do processo de reparo, intermediando a relação entre consumidor e fabricante, inclusive porque, juntamente com este, tem o dever legal de garantir a adequação do produto oferecido ao consumo. (…)

Nas palavras da relatora, “Aliás, já há quem defenda, nessas hipóteses, a responsabilidade civil pela perda injusta e intolerável do tempo útil: Marcos Dessaune (Desvio Produtivo do Consumidor – O Prejuízo do Tempo Desperdiçado. São Paulo: RT, 2011, p. 47-48)”.

Fonte: Jusbrasil (26.04.18)