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Vivo é condenada ao pagamento de R$ 300 mil por dano moral coletivo.
A Vivo S.A. foi condenada a pagar uma indenização por dano moral coletivo, no valor de R$ 300.000,00, por transtornos causados a usuários em razão da deficiente prestação de serviços de telefonia móvel, por parte da Global Telecom S.A. (absorvida pela Vivo S.A.), na cidade de Londrina (PR), entre dezembro de 2003 e janeiro de 2004. O dinheiro será destinado ao Fundo Estadual de Defesa dos Interesses Difusos (FEID).
Essa decisão da 12.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná reformou, em parte, por unanimidade de votos, a sentença do Juízo da 7.ª Vara Cível da Comarca de Londrina que julgou procedente a ação civil pública n.º 1057/2004, promovida pelo Ministério Público contra a Global Telecom S.A. O magistrado de 1.º grau havia estipulado a indenização em R$ 100.000,00.
Segundo o Ministério Público, “esse caso não configura um dano de índole individual ou casuístico, fruto de uma falha eventual no aparelho de um assinante isolado, mas de uma má execução de serviços que atingiu a coletividade impossibilitada de ter acesso a um serviço de caráter essencial durante um mês, representando inaceitável lesão aos valores de confiança e boa-fé objetiva que devem nortear as relações de consumo”.
Os recursos de apelação
Ambas as partes recorreram da sentença. A Vivo S.A. narrou que o apelado propôs a presente demanda contra ela objetivando condenação ao pagamento de indenização em razão de suposto dano moral coletivo sofrido por prática abusiva de sua parte na prestação de serviço de telefonia móvel entre dezembro de 2003 e janeiro de 2004.
Preliminarmente argumentou perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, devendo seu recuso ser recebido em ambos os efeitos.
Destacou ser o Ministério Público parte ilegítima para propor a ação, a quem cabe a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis e a propositura de ação civil pública para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, o que aqui não ocorre.
Afirmou ter comprovado nos autos que diversos particulares já ingressaram com suas ações de indenizações em face dos fatos narrados na inicial, o que reforça ainda mais a alegação de disponibilidade do direito ora defendido e a delimitação das pessoas envolvidas.
Alegou inexistir qualquer conduta de sua parte a ensejar dano moral, haja vista ter demonstrado que todos os esforços possíveis e necessários foram providenciados para que não deixasse de atender os limites técnicos impostos pela ANATEL .
Asseverou restar provado nos autos que os consumidores dos seus serviços foram plenamente atendidos em suas reclamações administrativas ou judiciais, não restando qualquer prejuízo a ser indenizado.
Salientou que o relatório apresentado pela Brasil Telecom não merece credibilidade, uma vez que se trata de empresa concorrente no ramo da telefonia móvel, não se podendo auferir a legitimidade das informações prestadas.
Alegou ter tomado todas as providências técnicas para suportar aumento do número de chamadas e assim, os consumidores não sofreram quaisquer danos passíveis de indenização.
Argumentou que, quando do arbitramento do quantum indenizatório, não foram observados os parâmetros legal, jurisprudencial e doutrinário, nem os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Declarou não ter sofrido qualquer punição da ANATEL em razão dos fatos narrados, demonstrando que os índices atingidos foram satisfatórios.
Disse também que os honorários advocatícios foram arbitrados fora dos parâmetros estabelecidos no art. 20, § 3º, do CPC, na medida em que o trabalho realizado pelos advogados limitou-se à normal instrução do feito. Pré-questionou a matéria para o caso de não acolhimento da tese defendida.
Requereu, ao final, o provimento do recurso para que, preliminarmente, seja reconhecida a ilegitimidade ativa ad causam do Ministério Público.
No que diz respeito ao mérito, pediu a reforma da sentença para que os pedidos formulados na inicial sejam julgados improcedentes, haja vista a inexistência do dever de indenizar.
Alternativamente, requereu a redução do quantum indenizatório, visando atender ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como dos honorários de sucumbência.
Por sua vez, o Ministério Público, em seu apelo, argumentou que o valor da indenização se revela insuficiente por não atender às finalidades compensatória e punitivo-pedagógica do instituto, devendo se observar como parâmetro o porte econômico do ofensor, o longo período de prestação deficiente/inexistente do serviço e do elevado número de reclamações, o que denota o grau de culpa da ora apelada.
Registrou que a projeção de lucro anual da empresa pode alçar o patamar de R$ 1.000.000.000,00 nos próximos anos, sendo possível fazer uma proporção entre este e o cidadão comum para que se estabeleça qual o valor bastante para penalizar a ré e coibir a prática de novos atos, chegando-se assim à importância por ele sugerida de aproximadamente 0,1% do lucro líquido da Vivo, ou seja, R$ 1.000.000,00.
Destacou que o valor indenizatório a ser pago não será embolsado por um particular isoladamente lesado, eis que se destina ao FEID, regido pela Lei nº 11.987/98.
Sublinhou que o caso em apreço não configura um dano de índole individual ou casuístico, fruto de uma falha eventual no aparelho de um assinante isolado, mas de uma má execução de serviços que atingiu a coletividade impossibilitada de ter acesso a um serviço de caráter essencial durante um mês, representando inaceitável lesão aos valores de confiança e boa-fé objetiva que devem nortear as relações de consumo.
Argumentou que os honorários como fixados ficaram aquém do limite legalmente previsto, sendo que atuou satisfatoriamente na demanda que se prolonga por seis anos, sem que tenha se chegado à efetiva reparação dos danos coletivos causados.
Pugnou, ao final, a majoração do dano moral para R$ 1.000.000,00, bem como a fixação dos honorários sucumbenciais em 20% do valor da condenação com fulcro no art. 20, § 3º, do CPC.
O voto do relator
O relator do recurso, desembargador José Cichoki Neto, consignou de início: “Preliminarmente, a apelante Vivo S/A pretende seja decretada a ilegitimidade do Ministério Público para o manejo da presente ação civil pública”.
“Sem qualquer razão. O Ministério Público Estadual é parte legítima para figurar no polo ativo da presente ação civil pública, tendo em vista que está atuando na defesa dos interesses dos consumidores de telefonia celular, a teor do que autorizam os art. 127 e 129, III, da Constituição Federal, bem como do art. 25 da Lei Orgânica do Ministério Público (Lei nº 8.625/93).”
“Por fim, também o Código de Defesa do Consumidor, nos arts. 81 e 82, I, que prevê expressamente que o Ministério Público ingresse com ação coletiva com vistas a garantir a proteção dos interesses ou direitos individuais de origem comum: ‘Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; (…) III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995) o Ministério Público’.”
“Ademais, sendo a telefonia celular serviço público, é inquestionável o interesse social que afeta da coletividade de consumidores, ainda mais quando se discutida a qualidade dos serviços, medida porque revela-se a legitimidade do Ministério Público para figurar no polo ativo da demanda, a fim de garantir a continuidade dos serviços, nos termos do dispõe o art. 22 do CDC.”
]”Desta forma, rejeita-se a preliminar suscitada pela apelante/requerida, posto que inequívoca a legitimidade ativa do Ministério Público.”
“No que toca ao mérito, as razões de apelação serão analisadas conjuntamente.”
“A má prestação de serviço nas datas aventadas pelo Ministério Público 10.10.2003 a 23.10.2003 e 08.01.2004 a 22.01.2004 é inequívoca, pois as provas carreadas aos autos são por demais conclusivas nesse sentido.”
“A ré, por seu turno, encarregou-se, igualmente, de confirmar a prestação de serviço defeituosa quando assevera em sua contestação: ‘O sistema de telefonia móvel operado pela Requerida foi objeto de recente plano de extensão, que englobou a ampliação da rede de atendimento, com ampla distribuição de sinal e cobertura, sendo que, para tanto, a Requerida investiu desde pessoal especializado até em aquisição de equipamento pioneiro na expansão da denominada “tecnologia da informação”, cujos resultados são notados não apenas pelo usuário local, mas também pelos inúmeros “visitantes” das operadoras cooperadas. E, justamente para manter a efetivamente possibilitar o aperfeiçoamento e atualização do sistema, a Requerida eventualmente necessita realizar ajustes na rede. Contudo, referidos ajustes não implicam em defeito, mas ao contrário, em melhoria do sistema. E foi justamente o que ocorreu “in casu” na cidade de Londrina, por aproximadamente 30 dias, na medida em que a crescente demanda motivou ajustes e instalações de novo CBSC (Controladora de ERBs Estações Rádio Base) na CCC Central de Comutação e Controle de Londrina, o que efetivamente foi feito, em caráter preventivo, visando sempre a melhoria do sistema. (…) E apesar da Requerida ter se preparado para atender a determinada demanda de serviços (volume de ligações, tentativas de ligações e novas habilitações), houve o inesperado e imprevisível aumento no tráfego, em volume bastante superior ao verificado no mesmo período em anos anteriores, ocasionado não só pelas festas de fim de ano, mas principalmente pela determinação decorrente da Lei nº 10.703/2003.‘ [isto é, o cadastramento de todos os usuários de telefones pré-pagos, sob pena de bloqueio ou pagamento de multa].”
“Somado à confissão da Vivo, tem-se ainda o gráfico relativo ao serviço móvel pessoal, com os indicadores da taxa de congestionamento do sistema da operadora requerida, documento elaborado pela ANATEL (fl. 58) do qual se extrai que, no período indicado, o índice de chamadas completadas manteve-se abaixo dos 50%.”
“Ademais, a farta documentação relativa às reclamações ofertadas junto ao PROCON de Londrina, num total de aproximadamente 800 (oitocentas) conduz à conclusão que, de fato, os serviços de telefonia móvel não foram prestados de forma a garantir a qualidade/eficiência que se espera da prestadora de serviço público de telefonia.”
“Nesse sentido, bem expressou a Procuradoria Geral de Justiça: ‘O Código de Defesa do Consumidor traz em seu artigo 22, parágrafo único, a descrição clara da violação aos direitos dos consumidores de serviços essenciais, pela empresa de telefonia parte na lide, e a sua consequência. Vejamos: `Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código’.”
“Assim, resta claro o não cumprimento dos seus deveres face a continuidade eficiência exigidas constitucionalmente aos serviços públicos.”
“Ademais, com relação ao vício existente na prestação no período em questão, é algo que não resta dúvida, pois a própria empresa confirmou em contestação que realmente houve vício no serviço.”
“Neste ponto, verifica-se também a violação ao disposto no artigo 20, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor. ‘Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: §2º São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade’.”
“Neste mister, estando clara a má prestação de serviço do período em questão, resta configurada a responsabilidade civil da empresa.”
“Desta forma, não há necessidade de maiores lucubrações sobre a ocorrência do defeito na prestação do serviço público, impondo-se o dever de indenizar.”
“Não resta dúvida quanto à pertinência da reparação pelos danos morais difusos ou coletivos, oriundos do ‘fluid recovery’ norte- americano, cabível nas ações que versem sobre direitos indivisíveis (difusos ou coletivos), como ocorre na espécie, já que impossível, nesses casos, repartir o produto da indenização entre pessoas indetermináveis e, portanto, no caso, o total da condenação deve ser destinado ao fundo previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/85.”
“O dano moral coletivo, no âmbito da prestação de serviço, encontra-se consagrado expressamente no art. 6º da Lei nº 8.078/90, que enumera em seus incisos os direitos básicos do consumidor. A correta compreensão do dano moral coletivo não deve se vincular aos elementos e racionalidades próprios da responsabilidade civil nas relações privadas individuais, uma vez que o objetivo de se prever, ao lado da possibilidade de indenização por danos materiais, a condenação por dano moral coletivo encontra sua justificativa pela relevância social e interesse público associados à proteção e tutela de direitos metaindividuais.”
“Como é cediço, a indenização do ato ilícito seja ele de que natureza for, tem dupla função, de compensação da vítima por prejuízos que lhe tenham sido causados no caso a coletividade – e de desestímulo do agente a continuidade da prática ilícita.”
“No caso em concreto, toma vulto a segunda função da pretensão indenizatória, de tal forma que o valor deve ser suficiente para desestimular a prática identificada, qual seja, a má prestação do serviço de telefonia, sendo que, para atender a esta função, o valor da indenização deve ser adequado à gravidade do fato e à capacidade econômica do agente.”
“Pode-se verificar que o incômodo causado pela precária prestação do serviço atingiu um expressivo número de pessoas, na medida em que, não somente os assinantes dos serviços de telefonia da Vivo não puderam utilizar os serviços, mas ficaram, em boa parte dos meses de outubro/2003 a janeiro/2004 sem receber ligações de outras pessoas assinantes ou não, de forma que incontável o número de desatendidos, especialmente nas épocas festivas de final de ano, onde é regra um intenso contato entre familiares e amigos.”
“Em relação à capacidade econômica, não há dúvida em relação ao extraordinário lucro auferido pelas empresas de telefonia, como muito bem esclareceu a Procuradoria Geral de Justiça, em sua manifestação: ‘Ademais, quanto a majoração da indenização é notório o grande porte financeiro da empresa e como bem salientado nas razões de apelação do Ministério Público, a empresa possui um número grande de reclamações pelos consumidores, configurando entre as dez mais reclamadas nacionalmente. Neste aspecto, importante a citação abaixo para demonstrar o porte financeiro da empresa, onde em 2010 obteve lucro recorde: `Em 2010 completo, a Vivo registrou lucro líquido de R$ 1,893 bilhão, contra R$ 878,1 milhões no exercício antecedente. A receita operacional líquida passou de R$ 16,637 bilhões em 2009 para R$ 18,105 bilhões no calendário seguinte.’ (http://economia.uol.com.br/ultimasnoticias/valor/2011/02/24/lucro-da-vivo-quadruplica-no-4-trimestre-de-2010-e-alcanca-r-864-mi.jhtm)‘.”
“Ademais, há que se ter em conta que a crescente demanda pela telefonia móvel e a oferta de incontáveis planos de atendimento aos usuários deve observar a real capacidade das operadoras, as quais, não podem, em nome do incremento de vendas, oferecer serviços a que não estão preparadas para atender.”
“Assim, o valor arbitrado certamente não terá o efeito de coibir a prática verificada, diante do que tal numerário representa para os cofres da empresa ré, motivo pelo qual arbitro a indenização no valor de R$ 300.000,00, que deverá ser acrescido de juros legais e correção monetária pelo IGPM, a contar da data da publicação desta decisão e deverá ser revertido ao Fundo Estadual de Defesa dos Interesses Difusos FEID.”
“Tal valor a título de indenização por dano moral coletivo encontra total correspondência com a legislação e a doutrina pátria, tendo em vista que todos os usuários sofreram prejuízos decorrentes da precária prestação de serviços pela concessionária.”
“Por fim, no pertinente aos honorários advocatícios, também merece reforma a sentença que condenou a ré ao pagamento de R$ 3.000,00 a esse título a ser revertido para o Fundo Especial do Ministério Público.”
“É que a condenação em honorários advocatícios, na espécie em análise, segundo o entendimento reiterado deste Tribunal de Justiça e do Superior Tribunal de Justiça, é incabível.”
“Ora, se o Ministério Público goza de isenção no que tange aos honorários advocatícios quando se julga improcedente a ação civil pública por ele ajuizada, em face do princípio da simetria e isonomia, também não poderá recebê-los quando o pedido for julgado procedente.”
“A questão, inclusive, é objeto de Súmula editada pelas 4ª e 5ª Câmaras Cíveis desta Corte, mediante Enunciado nº 02, que prevê: ‘Em sede de ação civil pública, a condenação do Ministério Público ao pagamento de honorários advocatícios somente é cabível na hipótese de comprovada e inequívoca má-fé; dentro da absoluta simetria de tratamento e à luz da interpretação sistemática do ordenamento jurídico, não pode o “parquet” beneficiar-se dessa verba, quando for vencedor na ação civil pública’.”
“Ademais, à luz da interpretação sistemática do ordenamento, não se trata, no caso de fixação de honorários advocatícios, de forma que não se há falar em aplicação da regra prevista no art. 20 do CPC, já que a rigor, o atuar do Ministério Público, não é trabalho advocatício, pois a propositura desse tipo de ação faz parte da obrigação institucional do Parquet, remunerada pelo Estado.”
“Destarte, afasto, de ofício, a condenação da ré ao pagamento de honorários advocatícios em favor do Ministério Público, porque incabível na espécie.”
O julgamento foi presidido pelo desembargador Clayton Camargo (vogal), e dele participou o desembargador Antonio Loyola Vieira (revisor), os quais acompanharam o voto do relator.
(Apelação Cível n.º 746119-4)
Fonte: TJPR (12.09.11)